das imagens criadas pelo cérebro nunca antes vividas e/ou existentes

era você entre copos
e assombros sob uma mesa
que ri velha e quebrada
numa calçada esburacada
do bairro mais horroroso
que já vi a vida passar

são os sorrisos de meleca
do veneno dessa gente que
arrasta por aí os quadris
desengonçados e tortos
que me reviram o travesseiro
e me descobrem os pés
às duas e trinta e nove da manhã

envolvida de trapos chinfrim
e deitada num colchão que foi
feito para não parecer lar
ela tenta tão miserável
se alimentar das migalhas
de alguém com fome de
home sweet home

eu que sou amada no dia claro
e no dia escuro e no dia
médio impressionista
aprecio meu reflexo no espelho quando
a mão do amor da minha vida envolve
minha cintura e barriga e separa meu cabelo
prometendo aos meus ouvidos que essa
é sim a realidade que nos cabe

mas num lapso em louças
ainda sujas de detergente
a mente engordurada
procura na invenção
que é o castigo da humanidade
o melhor movimento peristáltico
desde a dor do abandono
até a digestão da solidão comum

mas num vulto do trem L
bem longe de qualquer estação
arquitetada de passado
os olhos procuram
na criatividade
que é o pecado dos amantes
a mais nítida história nunca vivida

numa fração do erro uma coitada
existiu e atravessou ruas e mais ruas
enxugando as lágrimas ao som de
uma música qualquer que lembre
a mulher amada que nunca a pertenceu
e eu acho graça pois castigo e pecado
no final são a mesma coisa

eu que te desejo tanto mal
quase que gozo só de sentir
que não importa o quão real
seja a sua história
ela só existe em
pesadelos cínicos e ridículos
empanados em feridas abertas
fritos na distração histérica

mas nunca foi tão seguro o colo
e o caminho do choro conhecido
aí assisto a beleza beijar o tempo
fazendo as pazes com cartas
e flores no porta malas
sorte mesmo é saber que
nem se produzidas em francês
seriam cenas tão milimetricamente
axiomas e alegres e bem datadas

breve tudo passa!
tudo passa breve!
porque minutos depois
do afago e do borbulho
das ideias mais perigosas
eu sou convidada ao
te quiero como nunca
pero como siempre
todos os dias
e a resposta é i do

6 thoughts on “das imagens criadas pelo cérebro nunca antes vividas e/ou existentes

  1. “numa fração do erro uma coitada
    existiu e atravessou ruas e mais ruas
    enxugando as lágrimas ao som de
    uma música qualquer que lembre
    a mulher amada que nunca a pertenceu” porra nalü…

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  2. eu fico boba apaixonada lendo tudo que você escreve, tenho vontade de chorar e rir toda terça-feira, é um sentimento estranho e gostoso gostar de cada troço. obrigada nalü ❤

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