o maldito limoeiro de paulo

quando tudo ainda era pouca luz
e muito-menos vasto e material
nasceu da limoeira do apóstolo paulo
uma mulher bárbara e bruta e feia
metade humana e metade limão
condenada a viver até o último verso
de todas as histórias azedas do mundo

foi expulsa do egito e decapitada em roma
e se tivesse chegado na mesopotâmia
um dia antes
a poesia nunca teria sido inventada
(quem disse foi a própria enreduana)

deu não-sei-quantas voltas
pelo mundo contemporâneo
e não entendeu que o ruído
do vento dos moinhos de amsterdam
e que o fenômeno do sol alinhado entre
dois prédios de uma rua em manhattan
estão dizendo a mesma coisa

e vagará por aí sem saber
que todo avião que pousa vivo
no santos dummont é sorte
e que guarda-chuva é a invenção ateísta
de se proteger dos castigos do céu

trata-se de uma mulher de flerte com diabo
que pouco mexe os lábios de espelho quebrado
com marcas de manchete do jornal de ontem
enquanto busca desesperadamente por um sinal
de si mesma em frases parabólicas como
– eu não sou não-boa o suficiente

pobre metade humana e metade limão
que recusou ser pintura de tarsila do amaral
que queimou os cílios na fogueira onde jogou
marco zero e andy wahrol e basquiat
que visita museus e espanta e mata tudo que
é vivo em um quadro de monet
com seu odor rutáceo

que não acreditara em missão de vida
por isso estendeu-se a escrever
ou quase isso
uma carta de despedida
à maria e seu esposo e filho
que foi o seguinte
– se uma missa já é chata e longa
imagine uma missão

que arquiteta a própria fé
apenas no que há de ser
planejado por um homem
porque é uma mulher de poucas
afirmações divinas

porque vangloria a ideia de que
deus nenhum tem o poder de levantar
várias madeiras até formar casa e prédio
e brasília e o titanic e avenida paulista
e washington heights

ainda viva em dois mil e vinte um
a mulher: acredita que um tênis
amortecedor de impacto
protege mais do que o crucifixo
pendurado no pescoço

e confia nas traduções
de sua amiga mais inteligente
que é quem lê esse verso por exemplo
e a explica bonitinho
o que querem dizer as raspas
da sua própria história
na mente de quem nasceu
no sentido figurado
da civilização romana

uma mulher bárbara e bruta e feia
metade humana e metade limão
condenada a viver até o último verso
de todas as histórias azedas do mundo
como essa

e continua

3 thoughts on “o maldito limoeiro de paulo

  1. “metade humana e metade limão
    condenada a viver até o último verso
    de todas as histórias azedas do mundo
    como essa”

    ai nalü como é estranho e bonito ler minha biografia escrita por uma pessoa que sequer me conhece

    sua escrita é toque ❤️

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