irene não achava que tinha perdido tanto assim quando decidiu por revelar-se ao mal: o amor. sentava num pote de leite e enquanto escorria o líquido, penetrava sólida os olhos de quem a invade. como se desafiasse o destino de ser uma imitação extraordinária e ainda sim, desejada. arrastava o corpo, metade peso e metade sombra, pelas ruas geladas ao sul da janela da minha cozinha. irene e eu não nos encontrávamos. foram-se muitas galinhas para impedir que o pior acontecesse. a notícia da mudança de irene para mais perto do mundo era uma desgraça. mudou-se para uma cidade de sós, uma ilha de perguntas, a procura de outrem. ninguém que procura o segredo do olho termina feliz. o problema de irene era colecionar certezas em silêncio, numa cidade que viola quem dorme na grama. perturbada por pesadelos e delírios diurnos, mantinha o grito no fundo da garganta. ardia o estômago frito, porque achava que uma irene foi feita para aturar e mudar o outro, mas nunca o gelado do próprio nariz. uma irene que se muda, deve existir minimamente sem o menor sinal de abraço. sem perder a forma quadrada, uma irene arredonda a matemática do afeto que recebe suada e se deixa perder as vírgulas da organização apática, da vênus mais besta, da coisa menos pensada. encontra-se por milésimos apenas quando se imagina misturada numa cera de vela que se acaba cheirosa. para disfarçar o cheiro forte que tem a lágrima podre de tão antiga, termina com o próprio vertical, derrete-se, vai-se embora do conhecido, apaixonada pelo processo do abandono. irene vive com uma coceira não diagnosticada, arrasta a unha pelo órgão estético e mente que é de prazer. a pele maltratada é um sinal do amor que começou antes de toque. sem sinal de sede pelo que é reflexível, imagino irene como um pedaço de esponja em formato de mulher, em formato de irene, usada para desengordurar a delícia do outro, apertada em água, mofada, de cu para o alto, chupando mármore, à espera da próxima nojeira. para se descobrir cada vez menos sozinha, para ser cada vez mais uma irene, em breve, vai celebrar as desamarras da vida que deixou. vai bater palma e punheta pela sorte de ser finalmente amada pela ironia. amada por todos nós, da risada sádica e das palavras ambíguas. para acreditar que não perdeu, precisou mudar-se ao mal, já que o bem era, definitivamente, uma esperança beata. irene fez um pacto com o corte do desespero. e o corte do desespero era, um apelo pela mudança de irene. boa e corrompida, reinventou o que é ganhar e guarda os títulos num armário, onde também se tranca por horas, até o mijo escorrer pela frecha. uma irene vive a espera de esvair-se pelas falhas do objeto. não desagradaria nenhuma mosca, prefere morrer.
ai, nalü. fico sem palavras com você. “ninguém que procura o segredo do olho termina feliz.”
vc é incrível
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Ai Nalü, você sempre me batendo e me abraçando com suas palavras
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Você é tão magnífica, não sei se isso foi um tapa ou um acalanto. De qualquer forma, saiba que você é incrível
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Nalü obrigada por escrever tanto sobre mim, sem ao menos me conhecer
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hoje eu não entendi nada, mas continuo amando o texto inteiro. a sua capacidade de causar a sensação de incerteza e compreensão, ao mesmo tempo, nos outros, é impressionante.
a beleza da arte em causar estranheza! ❤
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obrigada por esse daqui. se tornou um dos meus preferidos. caralho. que atravessamento foi esse texto. em choque. perplexa. curada.
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