para todo mundo que é você

faz massagem no meu sorriso
até ele descongelar
tira uma lata de tinta da bolsa
e pixa meu nome no muro
lambe seu menor dedo
e enfia num saquinho de poeira estelar
leva para o lado certo
tudo que eu te falar de errado

puxa a corda de uma cortina vermelha
e vai ao palco
me diz se tem um preço
que eu pago com um beijo

me pede um cigarro
que eu respondo que para você tudo

a minha cena de filme favorita
ainda é uma memória com você
por onde eu passo o mundo ouve
a história dos nossos apelidos

o tempo em pequenas partículas
de ouro branco embaixo da língua
os braços vão sumindo:
então agora me pega direito

possibilidades de coreografia
eu giro, você gira, eu giro, você gira

você me deixa e eu assisto
eu te deixo e participo
você usa da canalhice e eu perco
eu uso das palavras e ganho

a gente na rua, da pomba à moça
carne para exu, você na minha é minha
primeiro o búzios e depois o fogo
você vai sonhar comigo sim

me beija por sete minutos
durante uma música sem letra
enche meu copo de água
mas não pega minha mão

descobre se meu jeito de lenço e moedas
combina com a sua máscara
de carnaval e os olhos de gude
me dá um pseudônimo
que eu conto para todo mundo

prometi que minha liberdade era melhor
num grito que era um sussurro em graves
veja minhas histórias e comente sobre elas
passe a língua nos outros mas a vida comigo

brilhe seu cabelo numa luz, em duas luzes, três
percebe meu carimbo sumindo no bronze
e o amor? são dois caubóis 

e a pergunta? um tabaco de camelo
segure o riso: eu também tenho ciúmes
e o amor? são duas ilhas
e a pergunta? um beijo de chicletes

sobe e desce mil e uma escadas da noite:
positano em lisboa

compre cacarecos
para uma casa que é dos outros

tease me and seja um pouco mais
das coisas que eu odeio

corra na frente:
se quiser me ver sem ar
faça por querer

me imagino numa torre
e duas pessoas chamam minha mão
meu olho faz feixes e fico ao lado
do seu outro abraço
é só porque eu cortei minhas tranças
que consigo engolir
mirtilos, tâmaras, sorvete napolitano, pedrinhas

ecoa na minha testa
que se sente livre comigo
tatue a marca de coração da sua coxa
no meu ombro
me encontre fora da sombra
que eu te garanto protagonismo

finge que é outra pessoa
e senta comigo no banco do caixa
quero te conhecer de novo
antes que você conte o troco
fala para mim que não é difícil me querer
e vê se me chama para um dia em branco

deixe fotografias recortadas
para destinatários
deite a cabeça no meu travesseiro
em nossa cama
porque eu te amo

guarde meu beijo
como um isqueiro
quando me perder
me roube de volta
em outra cor

pitangas e mirtilos molhados e uvas e outras propostas de sabor napolitano

Nápoles, agosto de 2023

rumo é diferente de destino
rumo é católico
tem a ver com culpa
destino é cigano
tem a ver comigo

eu gosto de pensar que tenho
muitas coisas a fazer
mas não gosto de sentir
que tenho

sentir é um negócio urgente
tento o cinismo mas sempre caio no caos
cedo à quase toda urgência da mente
é assim que acho que sou mais as minhas obsessões do que sou gente

de vez em quando eu acho que é só o TOC que me torna show de bola, veja bem:
acordei em Nápoles dois dias depois que
decidi que acordaria na Itália
por respeito ao místico, vou dizer que esse mesmo material magnético foi o que me levou
para Nova York aos dezoito anos

estou vivendo o livro que me atravessa esse ano
vou andando pelas páginas e ao encontrar fragmentos de Lila e Lenú, penso que talvez eu nunca mais escreva e começo a planejar uma crise

o caos, o pixe, os peixes, o maradona, o horário lúdico e figurativo dos ônibus, a gritaria, o amor bruto, o sal que gruda nos cílios, uma mulher cantando em dialeto e ecoando na praça que eu tropeço e escorrego e assim marco ao sempre – do joelho até a garganta – que sou apaixonada por essa cidade

começo a escrever quando chego em Ischia
dois dias antes do meu aniversário
fotografando em minhas bochechas
o sol cair em leão e italiano

antes de respirar fundo, eu já sabia que essa seria a primeira vez que converso com você
através do tom laranja que faz o brilho na taça desbotada, na folha de tabaco, ao peito nu

coloco meus pés em cima da mureta branca
meu corpo ressuscita em gelo ao lembrar das linhas que li em suas suas mãos, que envolveram meus dedos pintados de rosa de criança menina no seu corpo quente e embriagado das tantas defesas das coisas simples, das frases prontas, da versão grátis de uma plataforma de música, das fugas de um sonho interrompido

ainda não dormi uma noite de sono inteira
depois que mordi seu dedo, que deitei o próprio momento na sua barriga, que te contei com a língua que te dei, sobre os meus achismos, os meus charmes esotéricos e as histórias que ensaio quando quero me sentir desejada

funciona, você cai: eu agora repito e projeto em casas pintadas de branco, a minha respiração no meio da sua boca, meus lábios sob seus olhos teimosos, feito dois mirtilos molhados

essa é a versão sem vergonha e de corpo e cara dura que eu quero que você leia, para que pense muito sobre mim e sobre tudo que eu ainda não te dei
e quero te dar

atenção para a armadilha da minha mente na sua: o céu agora grita em sangiovese
da cor do interior de uma garganta com um whisky, que escorreu antes pelo corpo, que teria sido lambido do jeito que eu sei que você sabe

as veias do seu destino enroscaram no meu cabelo que esticado quase visita o diabo
e agora a noite beija as montanhas e as luzes se acendem, como eu acendo toda vez que seu braço desce lento por minhas coxas na frente de quem quiser ver as maneiras que, dois rostos se afundam em idiomas até virarem um dialeto

ao menor sinal de silêncio, seu coração beija a pele do peito, e a vida inteira passa a existir para contemplar sua respiração Bella, e que Bella!
minhas pernas arrepiam de imaginação
e tremem em ritmo napolitano ao seu ouvido

aperto os olhos como num truque de memória
assim te vejo nas frestas do brilho e do esforço
descubro que tenho perguntas para mim, centenas para você – a noite expande
vêm a primeira de todas: você também vai mandar mensagens em nuvens?

quando finalmente durmo, sonho que escrevo em primeira pessoa sobre uma dor aguda no coração, provocada por uma tentativa de imaginar a cara de um sujeito sem traços

de madrugada essa sombra se fantasiava de erotismo: não sou muito erótica
mas minha cabeça repete os desejos – além de uma música, sempre – como memória
desse jeito parece que eu tenho a sensualidade elaborada

durante o dia entrei numa série de pensamentos em rodas gigantes, sobre a existência num tipo de geografia, sobre possibilidades de ser metade lugar e metade pessoa, um tipo de sereia, eu gostaria que meu corpo fosse uma ilha: será que existe essa lenda?

engolindo minha revolução solar com pílulas vitamínicas e psiquiátricas, tomando as injeções de dentro da minha bolsinha térmica cor de rosa
enquanto boa parte de mim acha que o que cura mesmo a doideira e outros hormônios
é viver a vida em três sabores napolitanos

há um ditado: “chi viene a Napoli piange due volte: quando arriva e quando parte
“quando você vem a Nápoles chora duas vezes, quando chega e quando vai embora”
depois de estar nessa cidade, preciso me convencer de que o tempo é fruto da imaginação, ou…

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to Everyone and Everything I met in Napoli

In Special: Thea, Alyssa, Carol, Maxi, Pia, Renan, Silvio, Maria Paula, Mariana, Carlo, Simone, Alex, Rafael, Benjamin, Urugaio sem nome, Tony, Connor, The Whistle Guy, The Linkin Park Fan, All The Bus Drivers – except for the Meta drivers, The Italian Lady Who Taught Us How To Be Beaten By A Fish, The Lady From Positano On a Scooter, The Napolitana On The Elevator Who Said SHE Was The Gay Bar of Naples, The Blue Coins From Ostello Bello

iron pussy

qual que é o seu poder
o suor da buceta esfregando
e mini short fedorento
no pole de metal

você e seu pole dance
a polida sua dança
será que podem me responder
qual que é o seu poder

escorrega em corpo e caráter
junto com o óleo do cabelo que desce
arranhando as cascas de pele morta
acumuladas atrás da orelha

o cu beija o aço mas não tem
coragem de enfrentar uma bolinha rosa
o cu beija o aço mas não tem
sensualidade que te apague o cheiro
impregnado nos braços de cadáver da barata

lágrimas de tatâmi e no ringue do beijo
sob o menor sinal de afeto você perde
não te sobrará nunca nenhum pedaço
de nada limpo, you’re dirty dirty dirty & chose not to bow & then we can’t despise you more, leslie girl

vai enrolando na superfície do ferro que teu poder é o odor magistrado
atrai cachorro pro teu rabo
mas nunca nada que é grande
só sempre tudo que é fino, duro, iron

eu que mando

recebi uma notificação no celular
dizendo que hoje eu estaria apática
porque em dois ou três dias vem aí
a minha menstruação

quando menstruei pela primeira vez
tinha acabado de fazer quinze anos
muito tarde, muito tarde
mas a ginecologista dizia que
eu tinha todos os sintomas
só não sangrava

tinha todos os sintomas
só não sangrava
tudo que acontecia com meu corpo
quando Ele precisava chorar: mudava
porque sempre dei tudo que tinha
mesmo sem saber que Ele existia

sempre tive dificuldade de chorar
no Teatro o diretor dizia que tudo bem
e que eu nunca seria mocinha mesmo
e que eu nunca seria bonita pra globo mesmo
e que eu nunca faria shakespeare mesmo
então não tinha tanto problema

não tinha tanto problema não saber sangrar
porque eu seria profissional do riso mesmo
porque eu seria sempre a outra no palco
porque eu teria as retiradas das palmas
porque eu roubaria a cena – não seria minha
eu teria que roubar, feito vampira
roubar o sangue

aos dezesseis eu menstruava
três ou quatro vezes ao ano
demorou muito até os dezenove
quando comecei a sangrar com
mais frequência mas nunca todo mês

já morava em outro país e ainda
não tinha deixado sair de mim
assim, tão natural, tão vermelha
o resultado dos sintomas

foi aos vinte quando casei
que pairou pelo ar o destino
intensificado, cheiroso, bonito
de cabelos brilhosos, dois corpos

dois sistemas de sintomas
tudo tão perto e do lado um do outro
que passei então a sangrar como
manda a natureza

isso não quer dizer jamais
que deixarei qualquer coisa
por menor que seja
fluir para fora do sintoma
e existir sem o controle frenético

Update: hoje em dia choro muito mais
e digo até que sou manteiga derretida
dependendo de qual performance
de mim for necessária

quando recebi a notificação
de que estaria apática hoje
ri profissionalmente
e virei o celular pra baixo
como quem diz
– na verdade quem manda sou eu

equinócios

existiu um palhaço apaixonado por um ilusionista, que odiava ser chamado desse jeito, por isso era apaixonado pela bailarina, que o chamava de mágico e o tratava como tal, fazia pois era uma bailarina muito educada, existia o mínimo possível, dizia dez palavras por dia, dançava para longe das perguntas, amava em silêncio a ausência do mesmo, gostava de organizar os barulhos dos passos, encantava muitos homens e mulheres, mas nunca o espelho, não os caracóis vermelhos do cabelo preso num coque, firme como sua mãe foi, quando lhe disse que bailarina nenhuma casaria com um ilusionista, mágico – que corrigiu o homem enquanto esquivava a cara do dedo da nunca-sogra, o que entristeceu a nunca-esposa, mas não a fez murcha, afinal não pensava em matrimônio, não o amava, não sabia o que era amor, achava que estar contente com o sentimento do outro era de bom tamanho, de bom corpo, sem muitas curvas, era direito e estreito, longilíneo, isso de amar o amor do outro, como quem segue uma coreografia, que nem com o melhor dos truques pode-se dançar, era o que amaciava os calos da carência, que sentia profundamente, mas que logo passava, porque desenvolveu uma técnica, tudo era muito técnico, mesmo sem um pedido ou qualquer sinal de um, imaginava o pavoroso sapato vermelho do palhaço, ter que lava-lo, amarra-lo os cadarços, uma casa manchada de batom, com a tecnologia de uma mente acostumada a rodar sem cair, imaginava a tristeza de chegar a essa casa colorida e cheia de cacarecos, imediatamente esvaia-se da vontade do toque, concluía então que não correria nunca, pois não arrisca os joelhos e os dentes, mas correria para longe de casar com um palhaço, o que não sabia era que, o coitado jamais juntaria as trouxas com uma mulher, e como poderia uma bailarina saber disso, saber que o palhaço só se mantinha perto por desejar um outro corpo, um mágico, que esse sim estava sempre atrás dela, a bailarina não imaginaria nunca, que a performance pudesse se apaixonar pelo truque, que o riso pudesse se apaixonar pelo susto, assim tão perdidamente, a ponto de viver por assistir o amor pelo olho mágico.